sábado, 13 de dezembro de 2008

DA INEFICÁCIA E DA REVOGAÇÃO DE ATOS PRATICADOS ANTES DA FALÊNCIA (Trabalho do Mário)

A lei contempla a possibilidade de revogação de vários negócios que ocorreram com ou sem intenção de lesar os credores, sendo fraudulentos ou não, para que possa se recompor o ativo do devedor que foi desfalcado por causa de atos prejudiciais praticados antes da decretação de falência.
Através de três perspectivas, podemos ver a validade e a eficácia dos atos praticados pelo devedor: faz-se necessário distinguir os atos lesivos aos credores praticados após a sentença decretatória; os atos lesivos aos credores praticados no curso do termo legal e o atos praticados em período anterior ao termo legal. Iremos nos ater nesse trabalho a discutir sobre os atos praticados durante o termo legal e os praticados antes da decretação da falência.
Importante saber que, são nulos os atos lesivos aos credores praticados pelo devedor após a sentença decretatória que tenha haver diretamente ou indiretamente aos interesses, aos bens, direitos e obrigações que envolvam a quebra e, sendo que essa nulidade pode ser decretada de ofício pelo juíz. Porém, se o ato atacado foi praticado durante o termo legal ou no biênio que antecede a quebra, ou será ineficaz ou revogável. Para tal, o remédio jurídico e processual é a ação revocatória, que é um instrumento destinado a desfazer os efeitos de atos fraudulentos cometidos pelo empresário contra seus credores e que iremos tratar de forma mais específica no decorrer desse trabalho. Além do termo legal (com exceção de ressalvas na lei) os atos do devedor só vão se sujeitar à ineficácia se for demonstrado a fraude entre credor/devedor. Assim sendo, não há presunção de fraude e nem há a necessidade de se presumir fraude nos atos realizados fora desse período legal estipulado pelo juiz, pois, os atos realizados fora do período legal são considerados eficazes.
Existem na LRE, duas exceções ao princípio da revocabilidade restrita ao termo legal: atos revogáveis por terem sidos cometidos no biênio anterior à sentença falitária e a venda ou transferência do estabelecimento, pelo devedor insolvente quando não consentida expressa ou tacitamente.

Bem, assiste à massa falida o direito de promover ação objetivando a ineficácia e/ou revogação de determinados atos praticados pelo devedor antes da sentença que o declara falido, que causam prejuízos aos credores, seja pelo favorecimento de alguns credores ou pela diminuição do patrimônio que os garante. O que nos parece muito justo, diga-se de passagem.
O primeiro tipo de ação revocatória presente na LRE visa declarar ineficazes os atos praticados pelo devedor em prejuízo da massa falida antes da falência, sem que seja necessário que o contratante conheça o estado patrimonial do devedor. Esses atos praticados pelo devedor em prejuízo dos credores antes da declaração da falência (dentro do termo legal) tem eficácia relativa e precisão de uma sentença em ação própria para que seja declarado sua ineficácia.

Podemos entender como sendo o pressuposto essencial, principal da ação revocatória, o dano, sem que seja necessário que seja comprovado tal dano. A decretação da falência do devedor retroage e alcança os pagamentos e alienações realizadas anteriormente. No entanto agente não pode dizer que o termo legal seja estático, porque, a sentença determina os limites, e dentro desses limites, a lei outorga discricionariedade ao juiz para a demarcação concreta da etapa de revocabilidade. O limite estabelecido pela lei é de noventa dias contados do pedido de falência, do pedido de recuperação judicial ou do primeiro protesto por falta de pagamento, excluindo-se os protestos que tenha sido cancelados, conforme disposto no artigo 99 II da LRE.
Aqui, existem causas objetivas de revocabilidade, contendo presunção absoluta de fraude, reclamando-se só o dano. É irrelevante a existência de fraude. A ação revocatória aqui, busca simplesmente a ineficácia do negocio jurídico danoso à massa falida. Não podemos falar em nulidade pois não há o que se anular.
A ação revocatória traz intrínseca a declaração de ineficácia de um ato jurídico, mas o pedido tem por objetivo restituir bens ao acervo da massa.

Os atos passíveis de revogação, conforme nos mostra texto legal são: pagamento de dívidas não exigíveis, realizado pelo devedor, dentro do termo legal; pagamento de dívidas exigíveis, realizado dentro do termo legal por qualquer forma que não a estipulada no contrato; constituição de direito real de garantia, dentro do termo legal, em se cuidando de dívida contraída antes desse período; atos a título gratuito, desde dois anos antes da decretação da falência; renúncia a herança ou a legado até dois anos antes da abertura de falência; inscrições de direito reais, transcrições de transferência de propriedade entre vivos, por título oneroso ou gratuito, ou a averbação relativa a imóveis, realizadas após a decretação do seqüestro ou a decretação da falência, salvo se tiver havido prenotação anterior; venda ou transferência do estabelecimento, sem o consentimento expresso ou pagamento de todos os credores a esse tempo existentes, restando o devedor sem bens suficientes para solver o seu passivo. Esses atos dispostos no artigo 129 da LRE não são nulos e sim ineficazes em relação à massa, independente de fraude.

Importante saber também que, determinado o termo legal por decisão judicial, ainda sim pode ser alterado, desde que novos elementos que convenção o juiz surjam nos autos. Durante esse termo legal, a antecipação atípica de pagamento, o pagamento por meio extracontratual e a constituição de garantia real, são atos revogáveis. Em relação à “antecipação atípica de pagamento”, entendemos “pagamento” como sendo qualquer forma de solução do débito. Ou seja, pagar dívida não é só entregar dinheiro, pois a satisfação pode traduzir-se por qualquer outro meio. Esse “pagamento” pode ser qualquer de qualquer coisa fungível.
Existem aqui, duas características que marcam a ineficácia dessa modalidade de pagamento: a indiferença legal quanto à possível ciência, pela contratante, do estado patrimonial do empresário devedor e a irrelevância do meio extintivo empregado na solução da obrigação.
Se existe pagamento feito por terceiro, é preciso diferenciar entre o pagamento feito por terceiro interessado e o efetivado por terceiro não interessado. Não é revogável o pagamento de débito do devedor por terceiro interessado coobrigado que se sub-roga. A obrigação do devedor continua existindo, porém, em face de outro credor. Agora, em relação ao pagamento realizado por terceiro não interessado temos duas possibilidades que é quando paga em nome e por conta do devedor (aí o terceiro não é o titular do pagamento) e quando paga por simples liberdade (não há revogação desse pagamento, dado que não lesivo).
Pode também ser revogado o ato de pagamento se o credor beneficiado conseguiu, pela forma anormal adotada para a satisfação da obrigação, esquivar-se do concurso universal de créditos.
Por fim, nesse raciocínio, vamos examinar a constituição de garantia real no termo legal da falência, pois, dentro do período de revogabilidade, a constituição de direito real de garantia para garantir divida preexistente é ineficaz em relação à massa. Porém as garantias reais mais velhas que a dívida, as garantias reais substitutivas, as constituídas por terceiros em favor de débito anterior do empresário, as contemporâneas de dividas e outras não se enquadram na previsão legal de ineficácia.

A respeito da ação revocatória, segundo ainda o texto legal, pode ser promovida contra todos os que figuram no ato ou que por efeito dele foram pagos garantidos ou beneficiados; contra os terceiros adquirentes, se tiveram conhecimento, ao se criar o direito, da intenção do devedor de prejudicar os credores e contra os herdeiros ou legatários dessas pessoas descritas acima.
Irá ocorrer essa ação perante o juízo de falência e como já dito, a sentença que julgar procedente a ação revocatória irá determinar o retorno dos bens à massa falida com todos os acessórios. O recurso que cabe dessa sentença é a apelação. Essa ação caracteriza-se pela sua finalidade restitutória (ou seja, recomposição patrimonial). Assim, com o término dessa e automaticamente extinção das obrigações do empresário devedor, as relações entre este e o terceiro contratante voltam a sua vigência. Seu efeito básico é direcionar os bens para o ativo da massa. Esses bens voltaram à massa em espécie com todos os acessórios. Se houver saldo a massa restituirá o que foi prestado pelo contratante.
Além das pessoas descritas no início desse parágrafo, ação revocatória pode ser decretada de ofício pelo juiz. O MP tem legitimidade para ajuizar a revocatória do artigo 130 (atos praticados com intenção de prejudicar credores, provando-se o conluio fraudulento entre o devedor e o terceiro que com ele contratar e o efetivo prejuízo sofrido pela massa falida). Existe um prazo decadencial de 3 anos para propositura as ações revocatórias dos artigos 129 e 130 da LRE, contado da sentença decretatória de falência. É importante dizer também que a revocatória não devolve os bens ou seu valor ao devedor, e sim, à massa.
Os réus da ação são todos os que figuram no ato ou que deles se beneficiem, assim como os herdeiros ou legatários como litisconsortes necessários, uma vez que a decisão deve ser unânime para todos.
O paciente é o que obteve na fase do termo legal a realização total ou parcial de seus haveres, ou seja, quem deve restituir à massa o que recebeu com indevida prioridade. Será proposta a revocatória contra os terceiros adquirentes que eram cientes da intenção do devedor de prejudicar credores. O rito para ação é ordinário.

Também é previsto pela lei a revogabilidade de atos praticados pelo empresário devedor até 2 anos antes da sentença declaratória de falência. A lei excepciona os atos a título gratuito, quando inferiores a mil cruzeiros (valor da época). Vampré dá alguns exemplos de atos a título gratuito: “O tipo dos atos a título gratuito é a doação, mas entre eles se compreendem outros como, remissão, renúncia de um direito patrimonial, entre outros. E claro, a constituição de bem de família não é abrangida pela ineficácia.” Quanto à expressão “atos a título gratuito”, devem ser compreendidas as disposições concessivas de direitos patrimoniais, sem reciprocidade ou sem que exista obrigação legal. É necessário distinguir os atos gratuitos presentes no dispositivo e as gratificações fornecidas pelas empresas a seus funcionários e também, é importante saber distinguir presentes como aniversário, formaturas, etc. assim como filantropia e doações comunitárias. Não se pode admitir, porém, é claro, as simulações, pois estas são ilegais.
A renúncia à herança ou legado faz parte da mesma classe de atos gratuitos. A renúncia tem natureza de ato unilateral que não se presume por parte do renunciante, ato solene. Trata-se de um ato irretratável. Essa comprovação do ato da renúncia é fácil, pois, sua prova é escrita.
São ineficazes também, em relação à massa os registros e averbações realizados após a decretação de seqüestro ou declaração da liquidação, salvo se houver prenotação anterior.
Em relação a alienação do estabelecimento empresarial, não produz efeito para a massa, encetada sem a anuência expressa de todos dos credores ou seu pagamento, ficando o devedor sem patrimônio suficiente para suprir o passivo. Mesmo tendo o fato de a lei não mencionar expressamente, a venda ou transferência é aquela acordada dentro do termo legal. Se a alienação ocorre fora, o remédio processual será outro.

Temos uma segunda espécie de ação revocatória prevista na lei que é a ação paulitana falencial que necessita da “intuito fraudulento” do devedor e de existir efetivamente um prejuízo dos credores. Essa, visa assim, revogar atos fraudulentos praticados pelo devedor enquanto incapaz de solver antes da falência. Diferente do que já visto até aqui nesse trabalho, o núcleo da revogação é a fraude. É necessário porém, a comprovação pelo autor dos seguintes pressupostos objetivo/subjetivo que são respectivamente: prejuízo sofrido pelo impugnante do ato e fraude do devedor e do terceiro que contrata com ele, desde que ciente do primeiro. O ônus de provar a fraude do devedor ou terceiro não se aplica à Fazenda Pública. O encerramento da falência faz desaparecer a revocatória.

Embora já tratado esse assunto, faz-se necessário um aprofundamento sobre os efeitos das ações revocatórias que vamos ver a partir de agora:

Proteção da massa concursal: as ações revocatórias buscam proteger os interesses dos credores e evitar que o patrimônio seja dilapidado por atos suspeitos, desrespeitando a lei ou de forma fraudulenta. Essa ação pode ser proposta a qualquer tempo antes do início da fase de liquidação. Publicado o aviso do artigo 114 (quando se comunica aos interessados o início da realização do ativo e o pagamento do passivo), começa o prazo decadencial de um ano para o seu exercício. Nesse momento dois fatos importantes surgem a serem analisados nesse momento – os bens arrecadados podem ser suficientes, sendo desnecessário a propositura da ação; e o falido pode ter requerido concordata suspensiva nos cinco dias que se seguem à apresentação do segundo relatório do síndico.

Devolução dos bens com seus acessórios e, na falta, a indenização à massa: a massa receberá o bem na integralmente com todos os acessórios, ou se isso não for possível, deve ser indenizada. Porém, nem sempre se dará a devolução de algum bem, como diz algumas hipóteses do artigo 52 – na ineficácia pelo pagamento de dívida não vencida o numerário entra para a massa falida e o credor habilita seu crédito; no pagamento de dívidas vencidas por outra forma não prevista no contrato, o bem dado em pagamento entra para a massa falida e o credor habilita seu crédito; se declarada ineficaz a constituição de garantia real o credor perde o direito à garantia real e habilita seu crédito como quirografário. O bem é arrecadado pela massa e serve como pagamento do passivo; na hipótese de renúncia de herança, o renunciante falido recebe os bens da herança e estes bens são arrecadados na falência, não havendo assim, habilitação de credores; dentre outras.

Devolução de eventuais prestações pagas e participação do credor no rateio, na qualidade de credor quirografário: se o contratante for credor do falido, o ato declarado ineficaz não irá retirar o direito ao crédito, mas apenas as eventuais garantias que possuiria se mantido íntegro o ato.
Fontes: "Direito Comercial" - Autor: Waldo Fazio Junior
Aulas do professor Mário Bastos

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